Vejo um grupo. Dez pessoas. Cantam.
O reverberar – em uníssono – encanta aqueles que passam por perto.
Logo, de dez, são quinze vozes.
O chamado ao ritmo contagia pessoas e mais pessoas.
Quando vejo, todo mundo, até aonde minha vista alcança, canta.
Aqueles que não sabem a letra seguem o coro e lá pela terceira repetição da estrofe, já tem as palavras saltando de suas bocas.
Palavras miméticas.
Da primeira voz a entoar o canto, se inspira o ultimo seguidor da melodia.
Agora, à minha frente, se apresenta um bloco formal, comungam da música e se fazem indivíduos desindividualizados. Um único ser essencial.
Sei do perigo da banda. A banda que toca e atrai vozes ao canto. Sei de seu poder anestésico. Tomo cuidado e tampo os ouvidos. Uma vez que se atinge os sentidos com tal força, é quase impossível voltar a ouvir com clareza o mundo real.
Escrevo essa bobagem acima pra elucidar o que sinto em relação ao cinema 3D.
O 3D se revela como grande ferramenta de manipulação. Assim como a música ilustrada acima, o 3D é artifício apelativo aos sentidos.
Sei que o cinema é essencialmente esse mesmo apelo, mas quando puro e bem resolvido por gente com propósitos honestos, há um algo a mais, além da manipulação pela manipulação, ou pelo retorno monetário.
O cinema honesto a que me refiro, é aquele que proponha questões válidas a respeito de qualquer coisa e que fomente uma inquietação do espírito, aquele cinema que, ao ferir os sentidos, atinja também o plano racional e provoque uma reação, mostrando que veio para um propósito digno.
Não acredito na bobagem de que o sentidos, e tudo que apele à eles, seja de natureza subversiva.
A Sociedade do Espetáculo me parece uma radicalização extrema de um princípio que é, talvez, nosso único meio de conhecimento.
Meu problema reside na questão das coisas que apelam em demasia aos sentidos. Esse apelo que anestesia o raciocínio.
O cinema 3D leva o espectador a um gozo visual suis generis.
Esse peculiar atrativo – de maior impacto ainda, quando em IMAX – nocauteia o senso crítico, uma vez que inertes perante a exposição exaustiva dos sentidos à imagens imponentes.
A história, a trama, a construção narrativa, enfim, é tudo mero elemento de suporte.
O GRANDE EVENTO é o 3D! É à isso que veio o povo. Para o espetáculo.
Que o 3D exista e cumpra sua função, a de instrumento de entretenimento, não vejo problema algum.
Meu problema é quando este, “soma” do Admirável Cinema Novo, se torna hegemônico. Meu problema é quando o apelo aos sentidos ultrapassa a demanda de produção de conteúdo e fomenta uma padronização nos meios de produção audiovisual, transformando tudo em 3D.
E o grande perigo do 3D é justamente aquilo que vi em Alice no País das Maravilhas, Avatar, Resident Evil, etc.
Um descuido em construir uma narrativa pertinente, de qualidade.
Não precisamos só de filmes políticos ou de caráter filosófico ou seja lá o que for, mas quando na proposta do mero entretenimento, que se faça com qualidade.
Assim como sempre fora na literatura, em seus primórdios, romances atraiam a população justamente por suas qualidades narrativas e pela capacidade de construir metáforas e provocar o exercício crítico emergente das histórias.
Assim como na literatura seja com Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Flaubert ou Machado de Assis, o cinema precisa de seus Truffauts, Hitchcocks, Von Triers e Kubricks, deixando viver, em seu canto, os Camerons, os Burtons e os Tarantinos.
Sem que esses últimos tomem conta da indústria.
O alto apelo estético empobrece a mente, e o senso crítico é afetado, aí o espírito padece. E os picaretas da indústria cultural lucram muito, elaborando pouco. Pois uma vez que consolidado o 3D, a tecnologia irá se aprimorar e pouco exigirá dos produtores, no mesmo instante que o consumidor pouco exigirá em termos narrativos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário